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Nuit Debout: mais um movimento espontâneo e sem organização formal?

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Agora é a vez da França. Depois de tantos outros países que, desde 2011, vivenciaram ondas de protestos e manifestações, agora são os franceses – na verdade o mais correto seria, os habitantes da França, dada a grande quantidade de imigrantes – que desde o último 31 de março estão ocupando a emblemática Place de République, em Paris, além de outras praças, parques e diversos espaços públicos em outras cidades do país. A novidade de todos estes movimentos, apesar da enorme diversidade que há entre eles, é a demonstração de que partidos, sindicatos e forças sociais tradicionais já não são os únicos a conseguir mobilizar as sociedades. Claro, em termos de comunicação, há o protagonismo das mídias digitais como forma de disseminar, mobilizar, organizar, coordenar, registrar e arquivar (Cammaerts, 2014) o que ali se passa.

O movimento chamado Nuit Debout (literalmente Noite em Pé, mas em uma tradução mais apropriada talvez Vigília ou Vigília Noturna) tem como mote principal a luta contra uma lei conhecida como Loi El Khomri. Trata-se de uma reforma das leis trabalhistas que diminui drasticamente os benefícios sociais dos trabalhadores e precariza as relações de trabalho. Março foi um mês de grandes mobilizações dos trabalhadores contra esta lei. Os sindicatos e associações de classe organizaram quatro manifestações e na última delas (realizada no dia 31 de março) ganhou força o mote #OnRentrePasChezNous, que significa algo como “Não vamos voltar para casa”. Com esse mote a Place de la République foi ocupada e o movimento começou.

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É preciso esclarecer que, como muitos dos movimentos deste tipo, a aparência de espontaneidade completa que pode existir quando se olha à distância logo se desfaz quando o olhar é um pouco mais apurado. Quando a praça foi ocupada em 31 de março os organizadores já tinham autorização da polícia para ocupar aquele espaço até o domingo, quatro dias depois. É evidente que hoje o movimento é muito maior do que o grupo que o idealizou (citado por muitos como ligados à publicação de esquerda Fakir, ao cineasta autor do filme Merci, Patron François Ruffin e ao economista anti-capitalista Frédéric Lordon ) e que o movimento ganhou notoridade e legitimidade porque atraiu muitas pessoas que nada tinham a ver com esse núcleo inicial.

Considero importante esclarecer isso pois creio que muitos parecem querer fazer crer que este tipo de movimento surge do nada, de cidadãos completamente alheios a movimentos já existentes que do dia para a noite decidem se juntar por motivos e formas que ninguém explica muito bem. Não é o caso em Paris e me parece que também não em outros países, como por exemplo o que aconteceu no Brasil em 2013. Além disso, considero ainda que deve ser combatida essa legitimidade exacerbada que, muitas vezes, se dá aos tais movimentos “espontâneos”, como se eles fossem melhores ou mais genuínos que aqueles organizados por movimentos sociais tradicionais ou partidos políticos. Não ser organizado por organizações tradicionais não me parece ser a priori uma vantagem democrática e os casos concretos nos mostram que essas mobilizações podem gerar resultados extremamente diversos e em um espectro ideológico bastante amplo.

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Voltando à Nuit Debout, o movimento em Paris, ocupa a praça há mais de um mês e nesse período criou uma interessante forma de organização e tomada de decisão. A instância sobrerana do movimento é a assembleia geral. Para participar dela, basta estar na praça e demandar seus cartões de votação. Não há nenhuma exigência para votar. No último domingo (8), estive na assembleia de propostas. Trata-se da ocasião em todo e qualquer um pode propor uma ação ao movimento. As propostas são inscritas e um sorteio é realizado para determinar sua ordem de apresentação. Cada proponente dispõe de quatro minutos para apresentar sua proposta, que é seguida de três opiniões a favor e três contra a proposta. Depois disso, a assembleia vota em duas etapas. O primeiro voto é se a proposta diz respeito ao todo do movimento e o segundo se a proposta pode ser levada à votação na semana seguinte. Sim, esta primeira etapa é diz respeito apenas à “admissibilidade do processo”, por assim dizer.

Admitida a proposta, ela é publicada na praça e também no Facebook do movimento para que seja amplamente debatida. A proposta será ainda tema do Atelier de Consulta, onde as comissões relacionadas a ela darão suas opiniões sobre o tema. Por último, a proposta precisa ser aprovada na Assembleia de Decisão, que acontecerá no próximo sábado, onde, aí sim, haverá uma decisão sobre a adoção ou não da proposta. Todo esse processo visa colocar as proposições em debate amplo e construir uma decisão coletiva sobre o futuro do movimento.

Além da Assembleia Geral, o movimento trabalha em comissões menores. Existem as comissões estruturais, que são responsáveis pelo funcionamento básico do movimento, como logística, restaurante, comunicação, enfermaria e recepção e comissões temáticas. Estas últimas, segundo anunciado na assembleia do sábado (7), já somam mais de 150. São agrupamentos que discutem temas específicos, propõem e analisam propostas que são feitas e realizam. Algumas das que identificamos: anti-publicidade, periferias, educação popular, direito, economia política, ecologia, França-África, Feminismo, Voto em Branco.

Está claro, portanto, que a luta contra a aprovação da Lei de Trabalho é apenas a pauta geradora da mobilização, que agora já se concentra sobre temas muito mais diversos (lembra o Brasil de 2013?). O futuro do movimento ainda é incerto e suas consequências para a vida política francesa e europeia também, mas o processo de rediscussão da democracia e de tentativa de construção de alternativas ao sistema político atual demonstra não apenas descontentamento, mas uma disposição a reinventar que pode ser bastante frutífera.
Em breve mais textos sobre outros aspectos deste complexo e interessante fenômeno.

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“Não precisamos mais ser um partido, um site faz quase tanto barulho quanto eles”

Le mouvement commun Voix de Gauche. Pour que la Gauche reste une espérance

Esta frase me chamou muita atenção na matéria da revista francesa Nouvel Obs sobre as novas iniciativas cidadãs para as eleições de 2017. O desencanto com os partidos políticos e seus representantes é palavra de ordem corrente por aqui. E a população está se organizando para recolocar os cidadãos no centro do debate político. São novos coletivos, que não se organizam como partidos e, por enquanto, não disputam eleições. O Mouvement Commun, o Voix de Gauche e o Ma Voix, são exemplos disso.

Achei muito interessante que uma das iniciativas cidadãs aqui é tentar promover prévias por conta própria (La Primaire e Primaire de Gauche). Insatisfeitos com a falta de debate sobre quem serão os candidatos, os cidadãos tentam angariar dinheiro através de crowdfounding e reunir uma parcela significativa da população em uma plataforma que permitiria que eles mesmos fizessem essa primária. Essa tentativa abre diferentes frentes de discussão, mas me salta aos olhos o tipo de relação que se estabelece com os partidos políticos.

La Primaire Ouverte pour les élections de 2017   LaPrimaire.org

Apesar do discurso ser de que “já não precisamos mais deles”, a tentativa de fazer prévias mostra o respeito que há pela importância dos partidos e da decisão coletiva. Trata-se mais de um discurso de renvovação de práticas partidárias do que de uma adesão ao individualismo e à negação da coletividade, que à primeira vista esses movimentos podem trazer.

O orçamento participativo parisiense para 2016

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Começa amanhã o processo do orçamento participativo de Paris 2016. A iniciativa consiste de 4 etapas: proposição de projetos, ateliês de co-construção, consulta ao projeto e votação. E tudo isso dura 9 meses, ou seja, teremos o resultado final em setembro.

O orçamento participativo tem orçamento para todo seu período de aplicação, que é até 2020. No total são 500 milhões de euros. Esse valor equivale a 5% do orçamento de investimento total da cidade no período. Os critérios para propor um projeto são de que você more em Paris (ainda que não seja francês e sem exigência de idade) e que a sua proposta seja de um investimento e não de manutenção. As propostas podem ser feitas para o seu bairro ou para a cidade como um todo. E os orçamentos são separados: um para a cidade e um para cada bairro, de acordo com decisões da Prefeitura de quais são os bairros prioritários.

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As propostas são cadastradas online, discutidas em ateliês presenciais organizados por bairro. Depois a Prefeitura seleciona aqueles que serão submetidos ao voto da população, de acordo com 3 critérios: o interesse geral, as competências da Prefeitura de Paris e o tipo de uso do orçamento (se se trata realmente de investimento e não de funcionamento/manutenção).

Pelo que entendi, a iniciativa existe desde 2014 e está atingindo bons resultados. Para os interessantes há muitos números e relatórios de resultados online.

Qual o valor democrático da participação? Comentário sobre o Vote na Web São Paulo

A participação é frequentemente reivindicada como parte essencial dos sistemas democráticos. Não basta votar, é preciso que os governos, em seus diversos niveis e nos três poderes, criem mecanismos de escuta permanente da população. Eu estou plenamente de acordo com essas demandas e acredito que muitas democracias hoje poderiam ter melhores resultados práticos e melhores taxas de aprovação se se dessem ao trabalho de compartilhar a tomada de decisão.

Ambientes como os sites de redes sociais e a Web 2.0 facilitam ainda mais essa consulta. O custo da participação se torna menor para o cidadão, que não precisa assistir a longas assembleias ou andar kilômetros para chegar a uma urna de votação (e, veja bem, isso também pode ter consequências positivas e negativas). Ainda que eu acredite que o papel dos representantes continue a ser essencial, ter mecanismos de escuta da população legitima as decisões, aumenta a sensação de eficácia das pessoas e, por vezes, efetivamente pode levar a decisões politicas mais alinhadas com as demandas sociais. Além de que expõe alguns funcionamentos do sistema político que poderiam passar despercebidos.

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O Vote na Web é um projeto ja conhecido por colocar em votação perante os internautas projetos que estão em tramitação nos legislativos. A versão de São Paulo foca em projetos que estão tramitando na Câmara Municipal da cidade. A plataforma é interessante, pode-se acompanhar todos os projetos ou fazer buscas por temas ou vereadores. Em uma rápida olhada podemos ver que projetos que parecem essenciais efetivamente podem ganhar muito apoio da população (ainda que muitas vezes sejam leis que ja existem a nível federal ou estadual).

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Mas alguns projetos, que aos olhos de muitos podem parecer importantes, são recusados. Nestes casos, o papel do representante torna-se (ou deveria tornar-se) essencial para garantir direitos e avanços que muitas vezes não são bem aceitos socialmente. Claro que muitas vezes os representantes acabam tendo exatamente o papel inverso (vide a atual Câmara dos Deputados), mas este papel de mediação poderia ser extramente relevante.

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Esse tipo de ferramenta também deixa escancaradamente claro que algumas preocupações dos legislativos estão bem longe dos problemas que realmente afligem a população.

VOTENAWEB Projetos de Lei São Paulo

Portanto, ainda que a participação não seja um valor em si mesma e que as consequências dela não sejam necessariamente sempre positivas, uma democracia viva e onde os cidadãos se sentem representados precisa ter mecanismos de escuta. A tecnologia por si só nada pode fazer, mas as apropriações que governos e sociedades fazem dela podem nos ajudar a avançar.

Democracia Digital em Assembleias Legislativas

O estudo “Democracia Eletrônica no Brasil e no Mundo” é um excelente material para se pensar a função da democracia digital, sobretudo no âmbito das Assembleias Legislativas. O material é bem amplo e ajuda a refletir sobre a democracia online de forma ampla, mas, por ter sido elaborado como uma das etapas do projeto Direcionamento Estratégico da Assembleia Legislativa de Minas Gerais 2010/2020, ele enfoca mais nesse âmbito do poder estatal. A pesquisa é de autoria de Tiago Peixoto, consultor do Banco Mundial, e Tobias Wegenast, diretor da Marcoplan e traz não apenas direcionamentos para projetos de democracia digital, mas exemplos de iniciativas já existentes. Recomendo muito a leitura.

Governo Federal planeja Portal de Participação Popular

Segundo matéria da Carta Maior (via Vi o Mundo), o Governo Federal finalmente está atentando para os cidadãos que não fazem parte de organizações sociais e planeja para 2012 um Portal de Participação Popular. O projeto seria desenvolvido pela Secretaria Geral da Presidência e já constaria no planejamento estratégico desse ano. Segundo Ricardo Poppi, responsável pelo projeto na Secretaria Nacional de Articulação Social (vinculada à Secretaria Geral da Presidência), o projeto pretende ser um espaço de consulta pública permanente, como uma ágora grega virtual.

Vamos esperar que o projeto realmente se realize e de maneira a realmente aproximar as pessoas dos processos de decisão política.

Não basta pensar nos cidadãos

Pode parecer contraditório com um post anterior (O cidadão como centro), mas não é. Para promover iniciativas efetivas que busquem a participação dos cidadãos nos processos políticos, e sobretudo governamentais, não basta abrir enquetes e fóruns. É preciso um passo anterior a essa busca da opinião e da discussão com cidadãos, que se trata de uma preparação interna da estrutura das organizações políticas para lidar com essa informação.

Para que a participação seja efetiva, tanto para o cidadão – que passa a sentir que sua opinião tem valor – quanto para as instituições e atores políticos – que podem aperfeiçoar processos e políticas a partir de outro ponto de vista – é necessário que se saiba o que fazer com os inputs recebidos da população. E o caminho que esses dados irão seguir e a importância que eles vão ter não são determinados por um setor específico de comunicação, mas pelo centro do poder político, que passa a ver nesse processo algo importante para seu próprio funcionamento.

Essas questões me vieram à mente após ler o interessante texto do Simon Burral, que desenvolve mais aprofundadamente essa questão.

O cidadão como centro

Falando em participação, a província canadense de British Columbia produziu um material interessantíssimo sobre estratégias tecnológicas para o serviço público. O documento procura analisar as possibilidades desse novo contexto a partir da perspectiva do cidadão, das suas formas de acessar serviços públicos, poupar tempo através de mecanismos online e participar do processo político.

Apesar de uma abordagem um tanto utilitarista da participação, o documento traz pontos interessantes para refletir sobre as possibilidades que o contexto online traz. É preciso, no entanto, ter sempre em mente que apesar de uma prestação de serviço eficiente ser essencial por parte de um governo, participação é muito mais que isso. Não se trata de participar apenas em estruturas já pré-estabelecidas, mas de possibilitar a participação dos cidadãos na própria conformação dos processos e decisões políticas.

Internet e participação política no Brasil

Já está a venda o livro “Internet e Participação Política no Brasil“, organizado por Wilson Gomes, Rousiley Maia e Jamil Marques. A publicação reúne textos de nove autores que procuram discutir em profundidade diferentes perspectivas do tema proposto. Tema aliás, que a meu ver, é um dos mais importantes dentro das discussões sobre democracia digital.

Tive acesso apenas a alguns dos textos que constam no livro, mas sem dúvida a qualidade acadêmica dos autores promete que essa seja uma grande obra para a área. O lançamento oficial da obra será feito na Compós 2011, que acontece na próxima semana, em Porto Alegre.

Rede Social de participação cidadã

participação cidadão e-governo

O 2i2p publicou ontem uma notícia sobre uma rede social para cidadãos que participam na Itália, o ePart. Me interessei pelo tema e fui buscar mais informações sobre essa iniciativa. Trata-se de uma rede social, aparentemente desenvolvida pelo governo italiano, que dá aos cidadãos a possibilidade de marcar em um mapa problemas que encontrem em suas comunidades, como buracos, lixo espalhado etc. Além de retomar a noção de comunidade, agora no mundo online, duas coisas me charam atenção nessa iniciativa. A primeira foi a exibição, na primeira página do site, de um pequeno ranking de cidadãos mais colaborativos, aqueles que mais participaram da ferramenta, o que pode servir de incentivo para que as pessoas aumentem sua presença nessa rede. E segundo a explicação sobre o site, onde são descritas etapas de funcionamento da ferramenta que não pressupõem apenas a ação de denúncia do cidadão, mas também a ação do Estado sobre o que foi dito. Eles dividem as eapas assim: o cidadão detecta o problema, mostra o lugar exato, sinaliza qual o tipo de problema, acompanha o progresso do trabalho, problema resolvido! Vamos esperar um relatório de análise de resultados daqui a algum tempo para ver a efetividade da ferramenta.