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“Não precisamos mais ser um partido, um site faz quase tanto barulho quanto eles”

Le mouvement commun Voix de Gauche. Pour que la Gauche reste une espérance

Esta frase me chamou muita atenção na matéria da revista francesa Nouvel Obs sobre as novas iniciativas cidadãs para as eleições de 2017. O desencanto com os partidos políticos e seus representantes é palavra de ordem corrente por aqui. E a população está se organizando para recolocar os cidadãos no centro do debate político. São novos coletivos, que não se organizam como partidos e, por enquanto, não disputam eleições. O Mouvement Commun, o Voix de Gauche e o Ma Voix, são exemplos disso.

Achei muito interessante que uma das iniciativas cidadãs aqui é tentar promover prévias por conta própria (La Primaire e Primaire de Gauche). Insatisfeitos com a falta de debate sobre quem serão os candidatos, os cidadãos tentam angariar dinheiro através de crowdfounding e reunir uma parcela significativa da população em uma plataforma que permitiria que eles mesmos fizessem essa primária. Essa tentativa abre diferentes frentes de discussão, mas me salta aos olhos o tipo de relação que se estabelece com os partidos políticos.

La Primaire Ouverte pour les élections de 2017   LaPrimaire.org

Apesar do discurso ser de que “já não precisamos mais deles”, a tentativa de fazer prévias mostra o respeito que há pela importância dos partidos e da decisão coletiva. Trata-se mais de um discurso de renvovação de práticas partidárias do que de uma adesão ao individualismo e à negação da coletividade, que à primeira vista esses movimentos podem trazer.

O orçamento participativo parisiense para 2016

budget participatif

Começa amanhã o processo do orçamento participativo de Paris 2016. A iniciativa consiste de 4 etapas: proposição de projetos, ateliês de co-construção, consulta ao projeto e votação. E tudo isso dura 9 meses, ou seja, teremos o resultado final em setembro.

O orçamento participativo tem orçamento para todo seu período de aplicação, que é até 2020. No total são 500 milhões de euros. Esse valor equivale a 5% do orçamento de investimento total da cidade no período. Os critérios para propor um projeto são de que você more em Paris (ainda que não seja francês e sem exigência de idade) e que a sua proposta seja de um investimento e não de manutenção. As propostas podem ser feitas para o seu bairro ou para a cidade como um todo. E os orçamentos são separados: um para a cidade e um para cada bairro, de acordo com decisões da Prefeitura de quais são os bairros prioritários.

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As propostas são cadastradas online, discutidas em ateliês presenciais organizados por bairro. Depois a Prefeitura seleciona aqueles que serão submetidos ao voto da população, de acordo com 3 critérios: o interesse geral, as competências da Prefeitura de Paris e o tipo de uso do orçamento (se se trata realmente de investimento e não de funcionamento/manutenção).

Pelo que entendi, a iniciativa existe desde 2014 e está atingindo bons resultados. Para os interessantes há muitos números e relatórios de resultados online.

Plataforma de consulta online da “Loi Numérique” francesa

Algum tempo atrás falamos aqui sobre a primeira experiência do governo francês com uma consulta online sobre uma lei. Pois bem, o período de consulta sobre a “Lei Digital” (Loi Numérique) acabou no último dia 18 e o governo deve, em breve, apresentar a síntese das contribuições que recebeu.

République Numérique Projet de loi pour une République numériqueA plataforma de consulta permitia que as pessoas votassem a favor, contra ou de forma neutra em cada um dos artigos da lei. No total, o site recebeu 147.710 votos e 8.501 contribuições de 21.330 participantes. São números muito expressivos, considerando que, por exemplo, no Brasil, que tem uma população três vezes maior que a da França, o Marco Civil da Internet contou com 686 comentários na primeira fase de consulta e 1141 na segunda (dados de Bragatto, Sampaio, Nicolas, 2014).

République Numérique Projet de loi pour une République numérique1

Ainda é possivel visualisar os gráficos das votações e os comentários deixados pelos internautas. Aliás, a navegação e a visualização dos dados é muito boa. É possível ver que em muitos pontos não há consenso entre os participantes. Agora resta esperar o relatório do governo para avaliar se a opinião dos cidadãos sera efetivamente levada em conta.

O que cria e sustenta uma participação ativa?

Uma pesquisa qualitativa feita na Inglaterra averiguou como e porque se dão os processos de participação. O estudo foi feito em três diferentes áreas – uma urbana, um subúrbio e uma rural – e fez entrevistas em profundidade com 101 pessoas. Metodologicamente, eles analisaram três tipos de participação: a participação social – que seria o envolvimento do indivíduo em atividades coletivas -, a participação pública – que seria o envolvimento do indivíduo com instituições da democracia – e a participação individual – que seriam as ações individuais das pessoas para construir o mundo que desejam.

O estudo durou dois anos e meio e foi financiado pelo Big Lottery Fund e conduzido pelo National Council for Voluntary Organisations (NCVO)em parceria com o Institute for Volunteering Research (IVR) e o Involve. É possível ter acesso a um relatório executivo e a um relatório completo do projeto.

Não basta pensar nos cidadãos

Pode parecer contraditório com um post anterior (O cidadão como centro), mas não é. Para promover iniciativas efetivas que busquem a participação dos cidadãos nos processos políticos, e sobretudo governamentais, não basta abrir enquetes e fóruns. É preciso um passo anterior a essa busca da opinião e da discussão com cidadãos, que se trata de uma preparação interna da estrutura das organizações políticas para lidar com essa informação.

Para que a participação seja efetiva, tanto para o cidadão – que passa a sentir que sua opinião tem valor – quanto para as instituições e atores políticos – que podem aperfeiçoar processos e políticas a partir de outro ponto de vista – é necessário que se saiba o que fazer com os inputs recebidos da população. E o caminho que esses dados irão seguir e a importância que eles vão ter não são determinados por um setor específico de comunicação, mas pelo centro do poder político, que passa a ver nesse processo algo importante para seu próprio funcionamento.

Essas questões me vieram à mente após ler o interessante texto do Simon Burral, que desenvolve mais aprofundadamente essa questão.