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Quem melhor me representa?

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Essa é a pergunta que o coletivo Ma Voix (Minha Voz) está fazendo aos cidadãos da cidade francesa de Strasbourg durante a campanha para eleições legislativas parciais. Pelas ruas da cidade podem ser vistos cartazes com a pergunta “Quem melhor me representa?” com um espelho logo abaixo, refletindo o rosto de quem para para observar o cartaz.

É uma forma interessante de colocar o debate político em tempos de crise de representatividade e demandas demaior participação. Estaríamos mesmo no momento de tornar a política algo comum e próximo ao cidadão – e não mais um universo de difícil acesso, um círculo restrito – a ponto de qualquer pessoa poder se considerar apta a ser candidata?

A ideia do coletivo, que faz questão de se diferenciar dos partidos tradicionais, é exatamente essa. O método usado para escolher seu candidato nas eleições foi nada mais nada menos que um sorteio. As interpretações sobre essa escolha podem ser diversas, mas uma coisa parece clara: a relação dos cidadãos com a política está mudando em vários lugares do mundo. Quem começa a buscar alternativas ao invés de apenas se apegar a estruturas que em muitos sentidos estão ultrapassadas, pode ter uma vantagem considerável.

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Nuit Debout: mais um movimento espontâneo e sem organização formal?

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Agora é a vez da França. Depois de tantos outros países que, desde 2011, vivenciaram ondas de protestos e manifestações, agora são os franceses – na verdade o mais correto seria, os habitantes da França, dada a grande quantidade de imigrantes – que desde o último 31 de março estão ocupando a emblemática Place de République, em Paris, além de outras praças, parques e diversos espaços públicos em outras cidades do país. A novidade de todos estes movimentos, apesar da enorme diversidade que há entre eles, é a demonstração de que partidos, sindicatos e forças sociais tradicionais já não são os únicos a conseguir mobilizar as sociedades. Claro, em termos de comunicação, há o protagonismo das mídias digitais como forma de disseminar, mobilizar, organizar, coordenar, registrar e arquivar (Cammaerts, 2014) o que ali se passa.

O movimento chamado Nuit Debout (literalmente Noite em Pé, mas em uma tradução mais apropriada talvez Vigília ou Vigília Noturna) tem como mote principal a luta contra uma lei conhecida como Loi El Khomri. Trata-se de uma reforma das leis trabalhistas que diminui drasticamente os benefícios sociais dos trabalhadores e precariza as relações de trabalho. Março foi um mês de grandes mobilizações dos trabalhadores contra esta lei. Os sindicatos e associações de classe organizaram quatro manifestações e na última delas (realizada no dia 31 de março) ganhou força o mote #OnRentrePasChezNous, que significa algo como “Não vamos voltar para casa”. Com esse mote a Place de la République foi ocupada e o movimento começou.

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É preciso esclarecer que, como muitos dos movimentos deste tipo, a aparência de espontaneidade completa que pode existir quando se olha à distância logo se desfaz quando o olhar é um pouco mais apurado. Quando a praça foi ocupada em 31 de março os organizadores já tinham autorização da polícia para ocupar aquele espaço até o domingo, quatro dias depois. É evidente que hoje o movimento é muito maior do que o grupo que o idealizou (citado por muitos como ligados à publicação de esquerda Fakir, ao cineasta autor do filme Merci, Patron François Ruffin e ao economista anti-capitalista Frédéric Lordon ) e que o movimento ganhou notoridade e legitimidade porque atraiu muitas pessoas que nada tinham a ver com esse núcleo inicial.

Considero importante esclarecer isso pois creio que muitos parecem querer fazer crer que este tipo de movimento surge do nada, de cidadãos completamente alheios a movimentos já existentes que do dia para a noite decidem se juntar por motivos e formas que ninguém explica muito bem. Não é o caso em Paris e me parece que também não em outros países, como por exemplo o que aconteceu no Brasil em 2013. Além disso, considero ainda que deve ser combatida essa legitimidade exacerbada que, muitas vezes, se dá aos tais movimentos “espontâneos”, como se eles fossem melhores ou mais genuínos que aqueles organizados por movimentos sociais tradicionais ou partidos políticos. Não ser organizado por organizações tradicionais não me parece ser a priori uma vantagem democrática e os casos concretos nos mostram que essas mobilizações podem gerar resultados extremamente diversos e em um espectro ideológico bastante amplo.

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Voltando à Nuit Debout, o movimento em Paris, ocupa a praça há mais de um mês e nesse período criou uma interessante forma de organização e tomada de decisão. A instância sobrerana do movimento é a assembleia geral. Para participar dela, basta estar na praça e demandar seus cartões de votação. Não há nenhuma exigência para votar. No último domingo (8), estive na assembleia de propostas. Trata-se da ocasião em todo e qualquer um pode propor uma ação ao movimento. As propostas são inscritas e um sorteio é realizado para determinar sua ordem de apresentação. Cada proponente dispõe de quatro minutos para apresentar sua proposta, que é seguida de três opiniões a favor e três contra a proposta. Depois disso, a assembleia vota em duas etapas. O primeiro voto é se a proposta diz respeito ao todo do movimento e o segundo se a proposta pode ser levada à votação na semana seguinte. Sim, esta primeira etapa é diz respeito apenas à “admissibilidade do processo”, por assim dizer.

Admitida a proposta, ela é publicada na praça e também no Facebook do movimento para que seja amplamente debatida. A proposta será ainda tema do Atelier de Consulta, onde as comissões relacionadas a ela darão suas opiniões sobre o tema. Por último, a proposta precisa ser aprovada na Assembleia de Decisão, que acontecerá no próximo sábado, onde, aí sim, haverá uma decisão sobre a adoção ou não da proposta. Todo esse processo visa colocar as proposições em debate amplo e construir uma decisão coletiva sobre o futuro do movimento.

Além da Assembleia Geral, o movimento trabalha em comissões menores. Existem as comissões estruturais, que são responsáveis pelo funcionamento básico do movimento, como logística, restaurante, comunicação, enfermaria e recepção e comissões temáticas. Estas últimas, segundo anunciado na assembleia do sábado (7), já somam mais de 150. São agrupamentos que discutem temas específicos, propõem e analisam propostas que são feitas e realizam. Algumas das que identificamos: anti-publicidade, periferias, educação popular, direito, economia política, ecologia, França-África, Feminismo, Voto em Branco.

Está claro, portanto, que a luta contra a aprovação da Lei de Trabalho é apenas a pauta geradora da mobilização, que agora já se concentra sobre temas muito mais diversos (lembra o Brasil de 2013?). O futuro do movimento ainda é incerto e suas consequências para a vida política francesa e europeia também, mas o processo de rediscussão da democracia e de tentativa de construção de alternativas ao sistema político atual demonstra não apenas descontentamento, mas uma disposição a reinventar que pode ser bastante frutífera.
Em breve mais textos sobre outros aspectos deste complexo e interessante fenômeno.

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Jean-Luc Mélenchon lança novo site participativo de campanha

JLM 2017 Appuyer la candidature de Jean Luc Mélenchon

Com vistas às eleições de 2017, Jean-Luc Mélenchon (JLM), pré-candidato à Presidência da França pelo Parti de Gauche (Partido da Esquerda) já lançou sua plataforma digital. Ele opotou por fazer um site na ferramenta NationBuilder, a mesma utilizada pelo americano Bernie Sanders.

Em meio a um clima político adverso, de grande insatisfação com o governo atual e de demandas da mais participação e transparência, a opção de JLM é por um modelo de campanha que valoriza muito a ação dos cidadãos. Não é a toa que o slogan estampado no site é “La France insoumise, le peuple souverain” (A França insubmissa, o povo soberano).

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Na capa o destaque é para a ferramenta que permite que as pessoas apoiem a candidatura fornecendo apenas seu e-mail e CEP para receber informações da campanha. Pelo contador do próprio site, são quase 45 mil apoiadores até o momento. “Minha proposta de candidatura é um chamado ao angajamento” diz o texto de apresentação e o projeto tem como primeiro ponto o “início da era do povo”.

O site também permite fazer doações e se cadastrar para ações específicas de campanha. O formulário permite que você monte um cardápio personalizado do que está disposto a fazer perto da sua casa e na internet.

 

Plataforma de consulta online da “Loi Numérique” francesa

Algum tempo atrás falamos aqui sobre a primeira experiência do governo francês com uma consulta online sobre uma lei. Pois bem, o período de consulta sobre a “Lei Digital” (Loi Numérique) acabou no último dia 18 e o governo deve, em breve, apresentar a síntese das contribuições que recebeu.

République Numérique Projet de loi pour une République numériqueA plataforma de consulta permitia que as pessoas votassem a favor, contra ou de forma neutra em cada um dos artigos da lei. No total, o site recebeu 147.710 votos e 8.501 contribuições de 21.330 participantes. São números muito expressivos, considerando que, por exemplo, no Brasil, que tem uma população três vezes maior que a da França, o Marco Civil da Internet contou com 686 comentários na primeira fase de consulta e 1141 na segunda (dados de Bragatto, Sampaio, Nicolas, 2014).

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Ainda é possivel visualisar os gráficos das votações e os comentários deixados pelos internautas. Aliás, a navegação e a visualização dos dados é muito boa. É possível ver que em muitos pontos não há consenso entre os participantes. Agora resta esperar o relatório do governo para avaliar se a opinião dos cidadãos sera efetivamente levada em conta.

França cria sua primeira consulta online sobre um projeto de lei

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O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, e a Secretária de Estado para o Digital, Axelle Lemaire, lançaram hoje a primeira consulta pública online francesa sobre um projeto de lei. Trata-se exatamente do projeto de lei sobre a regulamentação da internet, algo mais ou menos equivalente ao Marco Civil da Internet brasileiro. O projeto foi colocado online em uma plataforma colaborativa e permanecerá aberto a sugestões durante três semanas.

No discurso de lançamento da ação, Valls disse: “estamos abrindo uma nova pagina na história democrática da França ja que é a primeira vez, no nosso país e na Europa, que um texto de lei é tão aberto a contribuições dos cidadãos”. Ele pediu que as pessoas dêem suas opiniões sobre o tema, mas destacou que nem todas as considerações poderão ser incorporadas ao texto.

Neutralidade da rede, open data e proteção de dados pessoais são alguns dos temas que estão em pauta nos três eixos escolhidos para lembrar a Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. Acessando a plataforma, os cidadãos podem dar suas opiniões e sugerir modificações no texto, que serão votadas pelos próprios usuários.

Vamos acompanhar como se passa essa primeira experiência francesa, lembrando que no Brasil o Marco Civil da Internet foi aprovado em 2014, após duas fases de consulta online (artigos interessantes sobre a experiência brasileira podem ser vistos aqui e aqui).

Bolsa Família é citado como referência pela prefeitura de Paris

Foto: Divulgação/ASCOM

Foto: Divulgação/ASCOM

Por Nina Santos

O programa foi usado em estudo de melhorias no Fundo de Assistência às Familias

A viagem do prefeito Fernando Haddad e da primeira-dama Ana Estela Haddad a Paris está servindo para conhecer experiências internacionais, mas também revelando que políticas públicas brasileiras são muito bem vistas no exterior. Em reunião com Sylvain Lemoine, chefe de gabinete do setor responsável pela área social da prefeitura, Ana Estela ouviu que o Bolsa Família foi uma das referências utilizadas em estudos de aperfeiçoamento no Fundo de Assistência às Familias.

Lemoine demonstrou-se extremamente interessado na experiência brasileira de combate à pobreza, e também nas ações voltadas à primeira infância na Cidade de São Paulo. Ao ouvir que 40 mil novas vagas de creche haviam sido criadas nos últimos três anos em São Paulo, ele não escondeu o espanto, já que a meta da capital francesa é de criar cinco mil novas vagas até 2020. Hoje, em ambos os municípios, cerca de 50% das crianças de zero a três anos estão matriculadas em creches, mas é necessário considerar que a população de São Paulo é quase 10 vezes maior que a de Paris.

Além disso, Lemoine explicou que as mães francesas têm outras opções além da creche, como deixar as crianças na casa de pessoas credenciadas ou receber uma profissional em casa para essa tarefa. O estado francês subsidia parte destes gastos e por isso criou cursos para qualificar e certificar estes profissionais. Ana Estela e Lemoine ressaltaram que tanto na experiência brasileira quanto na francesa, o tema da infância tem sido tratado como uma política intersetorial. Áreas como assistência social, educação, saúde e habitação devem estar integradas para uma abordagem apropriada deste tema.

Um dia antes, o prefeito Fernando Haddad foi considerado como prefeito inovador pelo diretor da Sciences Po e a prefeita de Paris declarou que votaria em Haddad pela sua capacidade de correr riscos.