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Nancy Fraser: apenas o social, como alternativa ao político, não pode trazer justiça social

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À parte serem extremamente interessantes e inovadores, o que as mobilizações sociais atuais estão deixando como legado político e social? Seriam elas realmente capazes de enfrentar o segregacionisma e necessariamente desigual capitalismo financeiro mundial que se espraia mundo afora?

Essas são algumas das questões que a filósofa Nancy Fraser tenta problematizar em um debate muito interessante que aconteceu em maio deste ano na Maison des Sciences de l’Homme, em Paris. O tema do encontro era “Social Change, Social Movements, Social Justice, Social Progress: where are we now?” e também participaram Marc Fleurbaey e Saskia Sassen.

Em um momento em que há muitos esforços para identificar características desses movimentos, pensar no papel que as mídias sociais podem ou não ter no processo, não se pode perder de horizonte os resultados concretos que esse movimentos, muitas vezes tão fugazes, têm (ou não) na realidade.

Considero o final da fala de Fraser especialmente importante: “as long as we stay in the plan of the social, viewed as an alternative to the political, there can be no social justice, no social progress. We need some how to reframe the political in such a way restore or create for the first time democratic capacities that can solve peoples problems and master the private forces that would expropriate our forms of life.”

Veja o vídeo completo do debate:

Global Debout e tentativa de internacionalizar o movimento

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No próximo domingo (15), acontece o movimento Global Debout. Nascido da Nuit Debout, que atualmente acontece na França, o Global Debout é uma tentativa de mobilizar movimentos de outros países em torno do mesmo mote e da ocupação de praças públicas. A data não é aleatória, trata-se da data de aniversário do movimento espanhol Indignados/15M. Segundo o comunicado de imprensa do movimento 130 cidades de 28 países participarão da mobilização.

Para preparar esta mobilização, o final de semana passado foi dedicado a uma troca de experiências com movimentos de outros países. Na plenária do sábado de manhã, quando os convidados de fora se apresentaram, eram nove países presentes, entre eles Espanha, Itália, Bélgica, Grécia e Estados Unidos.. Além disso, representantes de outras cidades francesas também vieram mostrar que o movimento de fato não está restrito a Paris.

Esta articulação internacional – que na verdade é majoritariamente – contribui para reforçar as pautas mais amplas do movimento como a luta contra as políticas de austeridade e a renovação do sistema político existente. Isso porque a lei trabalhista (Loi El Khomri), principalmente mote de criação da Nuit Debout, é uma pauta nacional, ainda que diversas outras nações europeias tenham aprovado ou estejam tentando aprovar leis semelhantes.

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Internacionalizar a luta em torno de pautas semelhantes não parece tarefa simples. Ainda que a maior parte dos parceiros seja europeu, as diferenças e divergências internas do continente são enormes. O clima de insatisfação ajuda criar uma união e solidariedade, mas as junção de propostas alternativas para resolver os problemas ainda não parece tão clara.

De toda forma, a Global Debout nos mostra duas coisas interessantes. Primeiro que pensar em uma mobilização internacional coordenada parece ser mais do que nunca possível – e certamente as tecnologias da informação e comunicação têm um importante papel nisso. Segundo que já existem suficientes experiências internacionais desse tipo de movimento para que haja transferência de estratégias e tecnologias entre eles. É verdade que isso não é exatamente novidade e a conexão internacional esteve presente em muitos dos movimentos recentes, mas a bagagem acumulada e a necessidade de compartilhamento só parece aumentar. O caso da Espanha, em especial, gera muita curiosidade e interesse por aqui. Certamente a possibilidade de uma certa institucionalização e entrada na disputa políitico-institucional fascina muitos e muitas.

Fiquemos atentos ao que está por vir.

Movimento Beppe Grillo: experiência italiana de ativismo digital que chegou ao poder institucional

Hoje, no II Congresso Internacional sobre Net-Ativismo, o pesquisador Stefano Bory, da universidade Federico II di Napoli, falou sobre a experiência italiana do Movimento Beppe Grillo. O personagem que dá nome ao caso é um conhecido humorista político italiano que sofreu retaliações por fazer críticas à política italiana.

MoVimento

O movimento, que hoje tem 10 anos e conquistou 25% dos votos na última eleição (2013), começou com a criação da rede “Os amigos de Beppe Grillo”. Tratava-se de uma plataforma social, em que as pessoas se cadastram e identificam onde estão no território italiano. Essa relação com o território fez com que grupos regionais se mobilizassem e realizassem atividades e debates presenciais.

Bory relata que o marco do movimento ficou conhecido como “V Day” e aconteceu em 2008, na cidade de Bolonha. A grande participação no evento contou com cidadãos muito heterogêneos e enviou uma forte mensagem de insatisfação política. A partir desta demonstração de força, Grillo lança um referendo popular propondo mudanças no sistema político (como o limite de dois mandatos por pessoa). Ele consegue muito mais do que as 50 mil assinaturas que são exigidas pelo parlamento italiano nestes casos, entrega o projeto com as assinaturas, mas o governo nunca colocou a questão em pauta.

O movimento, que recusa a ideia de “democracia participativa” e defende a “cidadania ativa”, cria então um não-estatuto. Este documento afirma que o movimento tem como sede o blog de Beppe Grillo, ou seja uma plataforma digital. O movimento não se declara um partido político e recusa a participação a pessoas que já tenham experiência em política institucional. O compromisso assumido no documento é o de fazer uma política através das redes, dando à totalidade de usuários o poder da governança.

Em 2011 eles conseguem eleger o primeiro conselheiro municipal e se comportam como o “olho da cidadania” nos espaços políticos de tomada de decisão. Passam a disponibilizar publicamente informações antes restritas a ambientes políticos fechados. Eles não assumem o papel de representantes, mas sim de parte de uma rede. A cada tomada de decisão, eles voltam para a web para consultar as pessoas. Isso logo começa a ser um problema, pois é impossível de consultar a todo momento. Cria-se uma nova plataforma participativa para as eleições 2013 e o movimento obtém 25,5% dos assentos legislativos.

Para Bory, trata-se do exemplo mais concreto que temos hoje de um movimento que surgiu nas redes digitais e conseguiu ter amplo acesso aos espaços da política institucional. Ele alerta, no entanto, para as contradições que emergem deste processo. Primeiro a questão da figura do Beppe Grillo, que dá nome ao movimento e é dono do site onde ele está “sediado”, o que é uma contradição com o espírito horizontal e coletivo do movimento. Além disso, a promessa da participação de toda a rede em cada decisão se mostra impossível na prática, o que começa a gerar insatisfação nos membros. O movimento agora tenta desenvolver uma nova plataforma para facilitar esse compartilhamento das decisões.

Trata-se de um interessantíssimo caso de estudo, sobretudo porque outros países têm experiências parecidas, mas que podem tomar rumos diversos. Agora que exemplos concretos de movimentos desse tipo já podem ser analisados, talvez seja a hora de pensar nas consequências que isso tem para a democracia. Agora que o sonho da internet que facilita e amplia a participação parece estar se concretizando em alguns casos, temos uma democracia melhor?