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Conivência com corrupção na América Latina é muito menor hoje, opina professor da Sorbonne

Georges Couffignal considera que o aumento dos escândalos é fruto de maior consciência política e da diminuição da tolerância com a corrupção

Por Nina Santos*

As últimas semanas em Paris tiveram a América Latina como pauta importante. Os resultados eleitorais recentes, os escândalos de corrupção, o papel dos meios de comunicação e as perspectivas incertas de futuro chamam a atenção dos analistas europeus. “É bom falar do tema da corrupção na América Latina, pois frequentemente dizemos muitas besteiras sobre isso”, afirma Georges Couffignal, professor emérito em ciências políticas da Universidade Sorbonne Nouvelle. Para ele, o que acontece na região é um aumento da consciência política e uma diminuição da tolerância moral com a corrupção. Ele lembra que durante anos houve certa conivência com as políticas clientelistas e com a lógica do “rouba mas faz” e o rompimento desse comportamento é o que explica vários escândalos de corrupção atuais.

Foto: Nina Santos

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O debate sobre a atulidade latino-americana esteve em pauta em função da visita do presidente cubano Raul Castro na segunda-feira (1), da apresentação do relatório anual do Observatório Político da América Latina da Sciences Po (Opalc) e de dois debates, um no Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris) e outro na Embaixada do Brasil.

A questão da imprensa aparece como central em muitos debates na França, onde as críticas aos meios locais não são pequenas, mas é impensável um sistema de comunicação com quase monopólio da iniciativa privada. “Os meios de comunicação na América Latina dificilmente podem ser considerados como um quarto poder em favor do cidadão”, afirma Jean-Jaques Kourliandsky, pesquisador do Iris ourliandsky.

Por outro lado, as recorrentes denúncias de corrupção aumentariam, na opinião de alguns analistas, a sensação de desconfiança dos eleitores em seus representantes, abrindo espaço para o reaparecimento da figura do outsider político: personalidades de outras esferas públicas que mergulham na disputa política com um apelo ético, discurso desideologizado e rechaço à classe política tradicional, caso observado na Guatemala, em 2015.

Resultados eleitorais: uma virada à direita?

Os últimos resultados eleitorais no continente, com destaque para Argentina e Venezuela, são especialmente interessantes por aqui. Para Olivier Dabène, coordenador do Opalc, embora não seja possível afirmar que haja uma virada à direita, essa tendência pode ser observada nas eleições de 2015 e indica um novo caminho da região. “Com toda a prudência que requer esse gênero de exercício, há espaço para prever uma derrota da esquerda no Peru em 2016, no Chile em 2017, no Brasil, na Costa Rica e na Venezuela em 2018, e, enfim, em El Salvador em 2019”, prevê Dabène.

Foto: Nina Santos

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Essa visão um tanto fatalista não é, no entanto, consenso. Couffignal, considera que falar de um ciclo de governos de direita que substituiria um ciclo de esquerda é reducionista. Ele lembra que enquanto a região vivia o dito ciclo de esquerda o México, segundo maior país da região, tinha um governo conservador, assim como a Colômbia. Para Couffignal, as diversidades internas da região não permitem esse tipo de generalização simplificadora. “Eu não concordo com meu colega Dabène sobre a projeção dele para as próximas eleições na América Latina”, deixa claro.

Mudanças dos últimos 15 anos transformaram a sociedade latino-americana. Para onde vamos agora?

A percepção de que as mudanças pelas quais a América Latina passou nos últimos 15 anos foram profundas e transformaram as sociedades tem bastante evidência. Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique em espanhol, destaca que as 232 milhões de pessoas que sairam da pobreza na região estão agora exigindo uma maior qualidade dos serviços prestados pelo Estado. “As demandas da sociedade são diferentes, mas o discurso político é o mesmo”, opina. Ramonet destaca, no entanto, que o discurso conservador englobou os programas sociais e que a maioria das oposições hoje não propõe o fim das políticas implementadas. O que fazem é reivindicar a capacidade de aplicá-las de forma mais eficiente.

O questionamento sobre o rumo que estas mudanças estão tomando nos últimos anos parece ter múltiplas respostas. Para Kourliandsky, o Brasil vive hoje uma paralisia do Estado, que se vê incapaz de continuar as políticas sociais e manter a importância internacional do país. Já para Couffignal, está acabando a era dos ‘hiperpresidentes’ e començando uma geração de governos de coalizão – à exceção do Brasil, onde, para o pesquisador, o governo já era de coalizão -, o que muda substancialmente a forma de governar e traz diversos novos desafios.

Um ponto de acordo parece ser a estabilidade institucional da região. Os intelectuais são quase unânimes ao reconhecer a estabilidade da democracia latino-americana, mesmo face a alternâncias de poder. Não há especulações sobre a volta de ditaduras militares, como nas décadas de 60 e 70, mas sim discussões sobre os rumos que as democracias podem tomar.

Foto: Nina Santos

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Perspectivas futuras

Em um cenário econômico pouco favorável, com um sentimento de insatisfação política grande, fazer previsões sobre o futuro da região se torna uma tarefa mais complexa e arriscada.

Por um lado, a estabilidade institucional da região aponta para um futuro democrático. As lutas das últimas décadas para consolidar as democracias parecem ter resultados positivos na maioria dos países. No entanto, a vontade de renovação política – não apenas de atores, mas sobretudo de práticas – é latente e a crise econômica é uma realidade. Para Pablo Gentili, secretário-geral do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), os avanços da região no último período não foram fruto simplesmente de um ciclo econômico positivo, mas sim de decisões políticas acertadas. Portanto, ele acredita que a tarefa atravessar esse novo período com sucesso – ou pelo menos com poucas perdas – é também da esfera política.

“Eu não acredito em volta atrás. Não há momentos de descanso. É preciso continar lutando. Por isso precisamos de utopias”, destaca Jean Paul Guevara Avila, embaixador da Bolívia em Paris. Ele acredita que a experiência latino-americana pode servir para mostrar aos europeus uma outra forma de viver. Já para Paulo Campos, embaixador do Brasil em Paris e anfitrião de um dos debates realizado em parceria com o Clacso, é importante apresentar a versão latino-americana sobre a nossa própria região. Para tanto, ele destaca a importância de que os intelectuais latino-americanos debatam a região e apresentem suas próprias visões do que se passa.

*Nina Santos, 28, é jornalista e doutoranda no Centro de Centro de Análise e Pesquisa Interdisciplinar sobre Mídia (CARISM) da Université Panthéon-Assas.

 

O orçamento participativo parisiense para 2016

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Começa amanhã o processo do orçamento participativo de Paris 2016. A iniciativa consiste de 4 etapas: proposição de projetos, ateliês de co-construção, consulta ao projeto e votação. E tudo isso dura 9 meses, ou seja, teremos o resultado final em setembro.

O orçamento participativo tem orçamento para todo seu período de aplicação, que é até 2020. No total são 500 milhões de euros. Esse valor equivale a 5% do orçamento de investimento total da cidade no período. Os critérios para propor um projeto são de que você more em Paris (ainda que não seja francês e sem exigência de idade) e que a sua proposta seja de um investimento e não de manutenção. As propostas podem ser feitas para o seu bairro ou para a cidade como um todo. E os orçamentos são separados: um para a cidade e um para cada bairro, de acordo com decisões da Prefeitura de quais são os bairros prioritários.

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As propostas são cadastradas online, discutidas em ateliês presenciais organizados por bairro. Depois a Prefeitura seleciona aqueles que serão submetidos ao voto da população, de acordo com 3 critérios: o interesse geral, as competências da Prefeitura de Paris e o tipo de uso do orçamento (se se trata realmente de investimento e não de funcionamento/manutenção).

Pelo que entendi, a iniciativa existe desde 2014 e está atingindo bons resultados. Para os interessantes há muitos números e relatórios de resultados online.

França cria sua primeira consulta online sobre um projeto de lei

République Numérique Projet de loi pour une République numérique

O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, e a Secretária de Estado para o Digital, Axelle Lemaire, lançaram hoje a primeira consulta pública online francesa sobre um projeto de lei. Trata-se exatamente do projeto de lei sobre a regulamentação da internet, algo mais ou menos equivalente ao Marco Civil da Internet brasileiro. O projeto foi colocado online em uma plataforma colaborativa e permanecerá aberto a sugestões durante três semanas.

No discurso de lançamento da ação, Valls disse: “estamos abrindo uma nova pagina na história democrática da França ja que é a primeira vez, no nosso país e na Europa, que um texto de lei é tão aberto a contribuições dos cidadãos”. Ele pediu que as pessoas dêem suas opiniões sobre o tema, mas destacou que nem todas as considerações poderão ser incorporadas ao texto.

Neutralidade da rede, open data e proteção de dados pessoais são alguns dos temas que estão em pauta nos três eixos escolhidos para lembrar a Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. Acessando a plataforma, os cidadãos podem dar suas opiniões e sugerir modificações no texto, que serão votadas pelos próprios usuários.

Vamos acompanhar como se passa essa primeira experiência francesa, lembrando que no Brasil o Marco Civil da Internet foi aprovado em 2014, após duas fases de consulta online (artigos interessantes sobre a experiência brasileira podem ser vistos aqui e aqui).

Petições online com muito apoio serão debatidas no parlamento

Após um número imenso de visitas no novo site de petições eletrônicas do Reino Unido, que inclusive fez a página sair do ar, a expectativa é o que acontecerá com as petições votadas ali. O líder da Casa dos Comuns, George Young, assegurou que as petições com mais de 100.000 assinaturas seriam debatidas e votadas na casa legislativa. Me parece uma preocupação e iniciativas louváveis, mas a aplicação não parece ser tão simples. Membros do Parlamento já alegam que precisariam de mais tempo para debater essas questões e que o programa legislativo deles seria extenso demais para permitir isso. Outra questão que tem vindo à toda são os temas das petições. Algumas delas contém temas bastante controversos – como a guerra do Afeganistão e as condições do sistema prisional inglês – e tem sido consideradas “out of order”. Essas são apenas algumas das questões que começam a surgir quando uma iniciativa de participação do cidadão é proposta. Se não se supõe uma passagem a um regime de democracia direta, até onde pode ir o poder do cidadão em uma democracia representativa?

Fonte consultada: guardian.co.uk

Senado discute Mídias Sociais

Essa semana o Senado realizou o debate “Políticas e Novas Mídias”, com participação de membros da casa e especialistas externos. Sem entrar nos pormenores da bajulação política com o presidente do Senado – que sem dúvida, desvia o foco do debate e empobrece a discussão -, gostaria de comentar um pouco sobre os discursos que ouvi.

Os membros da casa – ouvi as falas do presidente e do secretário de comunicação – me pareceram terem sim certo interesse na implantação de novas formas de comunicação no Senado, mas não me pareceram ter uma compreensão ampla do que seria esse processo. Por vezes apareceram ideias de que o foco das novas mídias seria a divulgação do trabalho dos senadores, com pouco foco na real valorização da opinião popular. Na verdade, o que ficou claro para mim uma vez mais é que essas iniciativas não vem do controle central, vem de departamentos e assessores de comunicação que conseguem convencer os dirigentes a implantar o projeto.

O que acontece é que muitas vezes a importância que é vista no projeto está mais na sua atualidade do que na possibilidade real de uma modificação no processo democrático. Isso porque, penso eu, não é possível criar um canal de comunicação efetivo com uma instituição como o Senado apenas através de ações de comunicação. São necessárias mudanças estruturais internas para abarcar esse novo cenário e dar algum sentido real a ele. E mudanças nesse sentido não pareceram estar no horizonte.

Por outro lado, os especialistas externos, muito conhecedores do ambiente online, de suas rotinas, procedimentos e ferramentas, pouco exploraram as especificidades da aplicação de uma comunicação online a uma instituição pública e representativa tão central quanto o Senado. Se, por um lado, muitas das estratégias e dos princípios do marketing online podem – e devem – ser aplicados a instituições políticas, por outro, se não se compreende profundamente qual o propósito final dessa ação, fica difícil atingir um objetivo significativo. Ou pelo menos significativo em termos de democracia.